Em setembro de 2017, recebemos o radioartista Julio de Paulo no Espaço de Tecnologias e Artes no Sesc SESC Amaro para uma conversa sobre os seus processos de escuta e criação. No encontro, escutamos algumas de suas produções (Pai dos Burros, El Sur es el Norte e Edgard) e conversamos sobre montagem e gravação em campo.

Julio de Paula é radioartista, interessado na documentação e deslocamento de paisagens sonoras latino-americanas. Radialista de formação, é diretor de programas da Rádio Cultura FM. Foi professor de montagem de som da Faculdade Cásper Líbero/SP (2005-2013). Tem a cultura popular tradicional como foco de investigação. Como artista, tenta compreender e inserir o Brasil no território sul-americano. Em sua pesquisa, busca um ponto de contato entre o rádio e as outras artes, o que tem chamado de Rádio Expandido.

Na Cultura FM, produz “Supertônica, Música Acima de Qualquer Suspeita”, programa com Arrigo Barnabé, premiado pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo (2004).  Por pouco mais de uma década (2001-2012), apresentou a série “Veredas – Música e Tradição Popular no Brasil” nas Rádios Cultura FM e Cultura Brasil, ambas da Fundação Padre Anchieta/SP. Programa dedicado ao repertório produzido pela cultura popular, premiado na VI Bienal Internacional de Rádio do México (2006).

É graduado em Rádio e TV pela UNESP – Universidade Estadual Paulista (1994), e pós-graduado em Teorias e Práticas da Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero (2014), tendo como objeto de estudo a paisagem sonora como documentário.

No campo das artes visuais, tem colaborado com artistas e arquitetos na criação de espaços imersivos, ambientações sonoras para exposições, instalações e intervenções. Na Trigésima Bienal de São Paulo (2012) apresentou a radioperformance “Édgard”, transmitida pela Mobile Radio BSP.Qual o papel do rádio frente às novas tecnologias? Qual conteúdo se pretende para o rádio futuro? Em busca de respostas, Julio de Paula voltou-se para o passado para iluminar a figura de Edgard Roquette-Pinto, humanista do rádio. Peça livremente inspirada na transmissão embrionária do rádio no Brasil (7 de setembro de 1922).

Em 2015, realizou a peça “El Sur es el Norte” para a Kunstradio Radiokunst (Áustria).  Em 2016, ao lado de Teresa Berlinck, apresentou a instalação PAI dos BURROS, na Oficina Cultural Oswald de Andrade (SP). Em 2017, teve programas retransmitidos pela Rádio Documenta 14

Mais:
juliodepaula.tumblr.com

 

+O Sul é o Norte (2015)
“Nos últimos 7 anos, empreendi viagens pontuais pela América Latina em experiências de Turista Aprendiz. Dos extremos do Ushuaia à Cidade do México, religiosamente todo janeiro me lancei ao desafio pessoal de quebrar barreiras e buscar pontos de contato entre nós brasileiros e nossos hermanos de lengua castellana. Isso se deu a tal ponto que após minha última travessia pela Bolívia passei a me considerar natural deste imenso território latino-americano.
Portanto, esta peça é fruto da verdade dos trópicos. A terra de dentro pra fora, pelas entranhas. Foi construída a partir das lembranças marcadas na pele, gravações, imagens fotográficas, vivências em campo, anotações, objetos compilados. Em sua estrutura, ela nasce da palavra justaposta a soundscapes, paisagens sonoras. Inspirada em mitológicas dos Pueblos Originários, com citações a Eduardo Galeano, Alejandro Jodorowsky, Mario Benedetti, Oswald de Andrade e à Cosmologia do Povo Guarani (via Pierre Clastres). O título foi tirado do “Mapa Invertido da América do Sul”, do artista uruguayo Torres García, 1943.
Sinopse? Um(s) viajante(s) a errar por um território; a perder-se por suas histórias e memórias fora do tempo. Numa tentativa de reconectar-se com o mundo natural.

Voices: Caia Amoroso, Joana Barossi, Roberta Martinelli, Laura Mayumi, Nicolás Lhano Linares, Patricia Osses, Héctor Pace and Julio de Paula
Music: Luis Rocha (organ) and Dona Maria do Horto (song)
Samples: Ligiana Costa (voice) Guarani and Chiquitano people (voices), Bororo people (zunidor)
Soundscapes recorded by Julio de Paula in Tierra del Fuego (Argentina), São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Ceará and Amazonas State (Brasil), Parque Nacional Avaroa, Misiones Jesuiticas and Chacaltaya (Bolivia), Valle Sagrado de los Incas (Peru), Chiapas, Oaxaca and DF (Mexico)
Thanks to Catarina Duncan, Louis Robin, Samuel de Jesus and Sarah Caravieri

 

 

+ O Pai dos Burros: 

Trabalho em colaboração com Teresa Berlinck. Sobre e a partir do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo.  Peça sonora a partir de 80 verbetes do dicionário em diálogo com os 400 desenhos de Berlinck. Editado originalmente em 1954, o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, é fruto de um trabalho de décadas. A obra tem caráter enciclopédico e reúne assuntos em torno da antropologia cultural, da etnografia e da tradição popular brasileiras – usos, costumes, crendices, mitos, danças, lendas, superstições e práticas culturais vividas pelo povo em seu dia a dia. Nas palavras do autor, um “depoimento humano e fraternal do cotidiano”. Numa tentativa de dar entendimento a uma multiplicidade de assuntos de uma sociedade em formação e suas culturas interdependentes, Cascudinho elaborou (contando com a colaboração de amigos e pesquisadores de vários pontos do país) um dicionário erudito “despedido de erudições”. Uma espécie de trabalho cru, acessível e popular.
O distanciamento no tempo, os regionalismos e a própria dinâmica da cultura popular faz do Dicionário hoje uma obra um tanto enigmática. No entanto, uma visita ao Google, Pai dos Burros da atualidade, nos faz perceber seus verbetes vivos e pulsantes nos quatro cantos do país. O Google é a maior fonte de consultas e referências da contemporaneidade, contendo inclusive as tradicionais enciclopédias e os próprios dicionários.
Resultado de um processo de associações entre referências de texto, imagens e sonoridades, PAI dos BURROS investiga formas de percepção da cultura tradicional brasileira, sentidos e significados da palavra folclore e formas de proceder em relação a ideias de originalidade, autoria e apropriação no contexto das ações de pesquisa presentes em nossas relações com livros e arquivos de referência, com a memória das pessoas e com as informações acumuladas na Internet. O trabalho não deixa de ser uma uma homenagem ao autor nascido na cidade do Natal no ano de 1898.
O TRABALHO
400 DESENHOS de Teresa Berlinck elaborados com tinta sumi, a pincel e bico de pena, nas páginas do Dicionário. Exemplares do Dicionário do Folclore Brasileiro (edição de 1962) são desmontados e suas páginas soltas transformadas em suporte para os desenhos, desenvolvidos a partir de duas referências: a leitura dos verbetes principais de cada folha (destacados no alto das páginas) e consultas dessas palavras no Google Imagens. Nessas buscas, as imagens selecionadas servem de ponto de partida para o desenho, feito de observação a partir da tela de um tablet.
PEÇA SONORA de Julio de Paula criada a partir de verbetes escolhidos. Se o Dicionário nasceu nas ruas, fruto da pesquisa de campo, o propósito desta peça é (re)traduzir para a linguagem sonora o espírito dos apontamentos do autor, apaixonado pelo folclore musical e pela literatura oral. Dividida em cerca de 80 palavras, uma grande colagem articula fragmentos verbo-musicais, reunindo em sobreposições e justaposições um grande número de pequenos trechos de entrevistas, depoimentos, ruídos, gravações históricas, paisagens sonoras, além da participação de músicos convidados.
A ideia monumental exigida por um dicionário, transparece pela montagem no espaço expositivo: os 400 desenhos em convivência aos verbetes sonoros em espacialização polifônica.

 

 

 

 

Referências da Aula

Leitura: Palavra e Imagem (Sergei Eisenstein em O Sentido do Filme).
Filme: WEEEKEND – Walter Ruttmann (1930)

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