“O Rádio se tornou o canto do pássaro do séc. XX, decorando o ambiente com ‘graça’… E se o rádio se tornasse uma forma de arte? Então, seu conteúdo seria totalmente transformado. Ele deixaria de funcionar como escravo das tecnologias e das máquinas… o Rádio vibraria em novos ritmos, os ciclos biológicos da vida e da cultura humana, o bioritmo de toda a natureza… Posicione seus microfones e captará as vozes dos deuses. Porque eles ainda estão lá…” Murray Schafer, Rádio Radical – 1987
A partir do conceito de Ecologia Sonora, criado pelo compositor canadense Murray Schafer, vamos nos desafiar a ampliar nossa percepção sobre os sons que nos rodeiam entendendo a paisagem sonora como uma composição de vibrações sonoras em movimento, cada onda com sua origem e intenção.Preparamos um cardápio sonoro de que podem nos inspirar a começar a abrir os ouvidos, entendendo a criação e montagem de um programa de rádio como uma composição musical.
Ingredientes para uma partitura radiofônica: Sons, ruídos, sinais, música. Ritmos, texturas e intensidades. Sons naturais, sons artificiais, sons imaginários.
De onde vêm e para onde está indo cada pedaço do som que ouvimos? Qual a intenção de cada um? Por que cada um desses sons existe?
Ruídos, silêncios ou sons que aprendemos a ignorar?
De que maneira a paisagem sonora define os nossos comportamentos e percepções? E, de que maneira os nossos hábitos e culturas formam a paisagem sonora?
E finalmente, como a paisagem sonora pode nos ajudar a fazer e pensar um rádio mais criativo e interessante?
GOLDEN RECORD (NASA 1977)
Se você tivesse que gravar um disco com sons da humanidade para lançar no espaço, quais sons você escolheria? O disco Golden Record foi produzido pela NASA em 1977 e até hoje está em órbita. Gravados em chapas de cobre revestidas com ouro para sobreviver às altas temperaturas e radiação, os discos contém 90 minutos de sons da Terra: músicas, sons do corpo humano e de animais, ruídos, paisagens sonoras escolhidos para comunicar história da humanidade em sons para seres de outros mundos.
ORQUESTRAS DA NATUREZA
Wild Sanctuary – Bernie Krause é músico e naturalista. É doutor em bioacústica e fundador da Wild Sanctuary, organização dedicada ao registro e à preservação de paisagens sonoras selvagens. Por mais de quarenta anos viajou pelo mundo coletando mais de 4 mil horas de sons de ambientes selvagens e mais de 15 mil espécies. Krause é autor do apetitoso “A Grande Orquestra da Natureza: descobrindo as origens da música no mundo selvagem”. Para ele, quanto mais saudável for o ambiente, mais “musicais” as criaturas e mais ricas e diversificadas suas “partituras”.
Steven Feld – Antropologia do som, voz, imagem, sentidos e lugar: Antropólogo, músico e artista sonoro, Feld criou, nos anos 70, os termos Acustemologia e Antropologia do Som, numa tentativa de entender as sociedades também pelos universo sonoro. Ele ampliou os estudos da antropologia para além da música e da linguagem, incentivando uma escuta mais critica que considerasse todos os tipos de som e a relação entre eles. Recomendamos a leitura da entrevista Sons e Sentidos, que ele concedeu à Rita de Cácia Oenning da Silva. E o Video sobre o projeto Vozes da Floresta (Voices of the Rainforest, a day in life of Bosavi), realizado com os sons da floresta Bosavi e o povo Kaluli, em Papua Nova Guiné.
Iceberg Songs (2016): Projeto iniciado na divisão de mudanças climáticas da ONU convidou compositores a produzir música a partir de sons do derretimento de Icebergs.
The Acoustic Ecology Institute: Situado no Novo Mexico, o Instituto de Ecologia Acústico criou uma colorida rede de “paisagistas sonoros” e interessados no assunto, compartilhando sons, artigos científicos e notícias. Recomendamos o quilométrico guia produzido colaborativamente com iniciativas internacionais de Mapeamento Sonoro, Paisagens Sonoras, Caminhadas, Rádio Arte e outras iniciativas ligadas a questão do som e ambiente.
E viva Hermeto Pascoal!
MAPAS E PASSEIOS SONOROS
1) Fonoteca Nacional do Mexico: A Fonoteca do Mexico é uma instituição pública dedicada a preservar e difundir o patrimônio sonoro do país. O grande diferencial é que esse patrimônio não é composto apenas de Música, mas também de Sons. Promove uma série de eventos ligados ao desenvolvimento de “ouvidos pensantes”, como caminhadas e bicicletadas para a percepção do entorno sonoro da cidade, podcasts semanais de Arte Sonora, até a criação de um Mapa sonoro do país e um banco de Sons em extinção.
2) Open Street Map: é uma plataforma livre que permite a publicação de arquivos de audio em mapas. Podemos visitar as sonoridades do trem, da ponte, da música e da chuva da cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, a partir do Mapa Sonoro de Cachoeira criado por alunos de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia orientados pela professora Ms. Marina Mapurunga.
3) SoundMap SP (Renata Roman): SP SoundMap é um mapa sonoro da cidade de São Paulo mantido por Renata Roman desde 2012 .É um projeto colaborativo para descoberta das sonoridades de nosso espaço urbano.
4) Lonely London (Biancamaria, 2008): Passeio Sonoro inventado a partir da gravação de sons urbanos mixados com música e leitura de canção de Caetano Veloso por imigrantes em Londres.
5) India: de pássaros e bicicleta (Biancamaria, 2007): Passeio sonoro criado a partir de gravação de paisagem sonora à beira do rio Ganges, em Varanasi- India.
RADIO ARTE (COLETIVOS)
1) Escuchatório (México): é um projeto de criação e audição coletiva que busca reposicionar a escuta como um exercício político. A cada ano é lançado um tema e as criações são difundidas por rádios e coletivos de radioarte de diferentes países “Un flujo sonoro desde el cual tu eres la fuente”.
2) Tsonami – Arte Sonoro (Chile): com sede em Valparaiso, se dedica ao fomento e desenvolvimento de práticas sonoras contemporâneas. Desde 2007, o coletivo produz festivais, eventos e e uma rádio online que ampliam as possibilidades do som e da palavra como ferramentas de comunicação social e exploração artística. Na seção podcasts, infinitas inspirações, com destaque para Ciudad Nomada, Tranzito Esquizofonico, e El Ruido es el Menssage.
3) 60 Secondes Radio (Canadá): é um concurso internacional de criação de arte sonora com um minuto de duração. O projeto teve direção de Boris Chassagne, fundador da Association des créateurs radiophoniques indépendants, do Québec. A edição deste ano conseguiu reunir 148 peças sonoras de artistas de 25 países diferentes. Recomendamos a escuta de Heruvims Dream.
4) Radio Calle: compilação de paisagens sonoras gravadas colaborativamente por radioartistas de países da América Latina. Em 2016, os argentinos Fabián Racca e Franco Falistoco fizeram uma chamada por gravações em dispositivos móveis de audios curtos com o tema “RUA”.
5) Rádio Ambulante: Histórias latinoamericanas em audio. Recomendamos a escuta da Peça Sonora criada por Débora Pilla a partir da história do barqueiro Gustavo, que faz a travessia diária de passageiros no bairro da Ricoleta, em Buenos Aires.
ARTISTAS SONOROS
- Janete El Haouli (Londrina): musicista, produtora cultural e pesquisadora com ênfase em rádio como mídia experimental, em voz musical estendida, ecologia sonora e paisagem sonora.Foi diretora da Rádio Educativa UEL-FM (2001-2005) onde conduzia o programa “Música Nova: rádio para ouvidos pensantes” (1991-2005). Coordena o espaço ‘TOCA: arte ação criação” voltado a atividades pedagógicas de criação e de pesquisas na área da experimentação vocal, da arte radiofônica, da criação com paisagens sonoras e da ecologia sonora. Recomendamos a escuta de Memórias de Zarah.
- Joaquin Cofreces (Ushuaia): Recomendamos passeio pela obra do “contador de histórias sonoras” Joaquin Cofreces, que vive na Terra do Fogo, Ushuaia, Argentina. Joaquin entende o Rádio como um espaço para a experimentação e o som como uma maneira global de contar histórias a partir da linguagem emocional. a peça “Hamoni lapude anan” , criada a partir da língua nativa do povo ancestral yaghans, em vias de extinção. Em yaghan, o titulo significa “nós costumávamos fazer canoas”. Também recomendamos a escuta do programa de TV Resuena, musicas del Sur, que mescla produção musical com paisagens sonoras.
3) Julio de Paula: Radioartista paulista, interessado na gravação e deslocamento de paisagens sonoras latino-americanas.Em sua pesquisa, busca um ponto de contato entre o rádio e as outras artes. Recomendamos profundamente a escuta da peça “El Sur es el Norte” (2015).
Felix Blume(França e Mexico): Artista sonoro e engenheiro de som, trabalha com gravações de campo usando o som como material elemental em peças sonoras, vídeos, ações e istalações. Recomendamos a escuta de Manifestação Marielle Franco e Sonic Postcards.
Renata Roman (São Paulo): atua entre instalação, música experimental, rádio arte e gravações de campo. é criadora do SoundMap SP é um mapa sonoro da cidade de São Paulo mantido por Renata Roman desde 2012. É um projeto colaborativo para descoberta das sonoridades de nosso espaço urbano. Em sua página Ateliê Sonoro, no Facebook, notícias e inspirações de Arte Sonora pelo mundo. https://renataroman.tumblr.com
Regina Porto (São Paulo): compositora, ensaísta e artista sonora, com obras destacadas na rádio WDR e na Documenta de Kassel, Alemanha. Foi diretora da Rádio Cultura FM (SP). Ministra o curso Sound Design: a Dramaturgia do som, onde propõe escuta crítica de artes acústicas contemporâneas. Recomendamos a escuta da fantástica sinfonia de Bugios e da Metrópolis São Paulo.
E mais!
Viagem Fantástica (Márcio Augusto, 2017): Trabalho de conclusão de curso criado a partir de passeio de bicicleta por São Paulo, gravado no celular, e editado no audacity.
Brecha Sonora (Debora Pill, 2017): MC Luana Hansen fala da sua participação no encontro Mulheres Pelas Diretas e Por Direitos que aconteceu em junho, no Largo do Arouche, em São Paulo.
Acalanto para Nicanor (Biancamaria, 2013): Playlist criada com intervenções sonoras.
Eclipse Soundscapes: aplicativo desenvolvido pela NASA para uma experiência multisensorial no eclipse de Agosto de 2017,
PARA LER:
*A Afinação do Mundo, R Murray Schafer, 1977
* Radio Radical, Murray Schafer, 1987
*Sons e Sentidos – entrevista com Steven Feld, por Rita Oenning.
* Edição Outros Críticos especial Paisagem Sonora
*A Grande orquestra da Natureza, Bernie Krause
* O som e o Sentido – José Miguel Wisnik, 1989 – Capítulo 1: Física e Metafísica do Som
* Rádio: Arte do Espaço Sonoro – e Abertura para o Silêncio – Janete El Haouli
* Um Cinema para os Ouvidos (Gustavo Nascimento dos Santos)
*Audição do Mundo Apùap II: conversando com animais, espíritos e outros seres. Ouvindo o aparentemente inaudível (Rafael Menezes Bastos)
* Guilherme Vaz – uma fração do infinito (caderneta para criar arte com sons)
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