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– Pamonhas, Pamonhas, Pamonhas… – Um dia alguém falou que o som que vinha da kombi da pamonha era puro Rádio. De lá para cá, pensar nas infinitas (e ancestrais) possibilidades da comunicação pelo som virou um desafio que aumenta cada vez mais nossa vontade de fazer Rádio. Murray Schafer no artigo Rádio Radical já tinha matado a charada: O Rádio já existia muito antes de ter sido inventado.

Hoje quase tudo é som. Do apito da fábrica de tecido aos mais picantes furos jornalísticos, um bom audio vale mais do que qualquer delação. A voz das ruas. O canto do passarinho e o silêncio em extinção. Em tempos de sinais sonoros por todos os lados, nossas antenas buscam alguma sintonia. O Rádio nos conecta, seja no aparelinho de pilha, no celular, na internet ou no carro da pamonha. Nas entrelinhas do som, a intimidade.

Passados os deslumbres tecnológicos dos tempos de Roquette Pinto, é tempo de pensar o Rádio não mais como tecnologia, mas como mensagem, expressão, comunicação pelo som. Como bem disse o Bertold Brecht  na sua Teoria do Rádio em 1932  (e ainda atual), uma vez inventado o Rádio, é preciso inventar O QUE tocar no Rádio. O Rádio que comunica pela vibração sonora, pelo clima, pela palavra falada, pelo tom, pela troca. A voz do outro. Fantasia em companhia.

Se o Rádio é mensagem e expressão pelo som, o desafio agora é nos apropriarmos dos recursos que o mundo digital nos dá (e o auto-falante da pamonha também) para extrapolarmos a barreira das Frequências Moduladas e ocupar novas frequências. O Ar é livre, vamos ocupar! Vamos salpicar pelos ares nossas ideias, novas ideias. Experimentar. Fazer poema. Ouvir.  Vamos fertilizar os ares com  acalantos, gritos, novidades, conversas, conflitos, vontades, denúncias, mentiras, verdades. Arte. Realidade. O Rádio, A Rádio.

Para nos inspirar nessa jornada de Reinvenção do Rádio, selecionamos alguns pensamentos libertadores, desde os anos 30 até os tempos atuais. Rádio das ruas, das escolas, do poste, digital ou analógico, do whatssap, do youtube, do auto falante. O Rádio que foi avô da internet, e hoje é filho dela. Som cheio de vida e vontade (Biancamaria Binazzi).

*(todos os textos estão disponíveis, na íntegra, na pasta de textos do curso).

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“Um homem que tem algo para dizer e não encontra ouvintes está em má situação. Mas estão em pior situação ainda os ouvintes que não encontram quem tenha algo para lhes dizer….é preciso transformar o rádio, convertê-lo de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação. O rádio seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, um fantástico sistema de canalização”.” Bertold Brecht – Teoria do Rádio


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”Imagine um rádio que, ao invés de nos entorpecer a capacidade de ouvir sons, nos fortalecesse a imaginação e a criatividade; ao invés de nos manipular para aceitar um trabalho mais rápido e um consumo maior, nos inspirasse a inventar; ao invés de nos sobrecarregar com informação irrelevante que nos fatiga, nos revigorasse a sensibilidade acústica; ao invés de nos conduzir a ignorar pensamentos e o que nos rodeia, nos estimulasse a ouvir; ao invés de transmitir sempre as mesmas coisas, não se repetisse; ao invés de nos silenciar, nos encorajasse a cantar e a falar, para fazer do rádio um pouco de nós mesmos; ao invés de meramente transmitir para nós, ouvíssemos através dele”.
Hildegard Westerkamp no grupo “invenções radiofônicas”de Janete el Haouli


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Invisível, “o rádio vai e volta da fantasia para a realidade sem violar as suas leis. No Rádio, sonhos, visões e diálogos interiores são representados de forma absolutamente natural; cenários reais e imaginários, locais e estados de espírito são evocados com meia dúzia de ruídos ou acordes” Eduardo Meditsch – O elogio do invisível-  Rudolf Arnheim e o poder estético do rádio.


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“O Rádio se tornou o canto do pássaro do séc. XX, decorando o ambiente com “graça”… E se o rádio se tornasse uma forma de arte? Então, seu conteúdo seria totalmente transformado. Ele deixaria de funcionar como escravo das tecnologias e das máquinas…o Rádio vibraria em novos ritmos, os ciclos biológicos da vida e da cultura humana, o bioritmo de toda a natureza.. Posicione seus microfones e captará as vozes dos deuses. Porque eles ainda estão lá…”. Rádio Radical – Murray Schafer, 1987

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O rádio está verdadeiramente de posse de extraordinários sonhos acordados… E se os engenheiros psíquicos do rádio forem poetas que desejam o bem do homem, a doçura de coração, a alegria de amar, a fidelidade sensual do amor, prepararão boas noites para os ouvintes”. Gaston Bachelard – Devaneio e Rádio em O Direito de Sonhar 


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Na rádio, os sons e as palavras revelam a realidade com a sensualidade do poeta, e nela se encontram os tons da música, os sons mundanos e espirituais, fazendo assim a música penetrar no mundo das coisas: o mundo se enche de música, e a nova realidade criada pelo pensamento se oferece de modo muito mais imediato e mais concreto do que no papel impresso: o que há pouco havia sido somente idéias escritas, passou a ser algo materializado e bastante mais vivo  – Rudolf Arnheim – Elogio da Cegueira, libertação dos corpos ( Radio, an art of sound, 1936 )

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“Fomentar e principalmente instigar a curiosidade dos produtores das emissoras para explorarem essa mídia sonora me parece fundamental. O que vemos/ouvimos, de modo geral, é a repetição de modelos padronizados de produção e de programação radiofônica. E pior, tal modelo é retransmitido pela internet sendo que essa plataforma possibilitaria tantas e variadas experimentações”. Janete El Haouli em entrevista para Mônica Herculano “Por que ainda falamos sobre rádio?

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O rádio “de conteúdo” precisa adaptar-se ao mundo contemporâneo fundamentalmente desterritorializado e nômade. ..O rádio está em busca de sua identidade (atual). Enquanto se dá a convergência de mídias, nós radialistas, temos urgência em propor uma nova modalidade de radiofonia. Que funcione no modelo tradicional e que, ao mesmo tempo, responda às expectativas do ciberespaço e dos dispositivos móveis. Julio de Paula em No Ar Online .

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“Hoy una radio puede transmitir por onda analógica, ser radio digital, pero además transmitir por Internet, generar podcasts, intervenir en las redes sociales, ser una propaladora, una casa con parlantes, una instalación sonora, ser Youtube, Spotify, estar en la radio, en el celular, en un reloj, en la compu, en el televisor. Hoy el territorio de la radio es más ancho que antes. Hoy el mundo es una gran radio.

Francisco Godinez Galay em Qué puede una radio hoy?


Meu nome é Rádio (Helio Ribeiro)

Meu nome é rádio, minha mãe é dona Ciência, meu pai é Marconi.

Sou descendente longínquo do telégrafo, sou o pai da televisão.

Fisicamente sou um ser eletrônico.

Meu cérebro foi formado por válvulas, minhas artérias são fios por onde corre o sangue das palavras.

Meus pulmões são tão fortes que consigo falar com pessoas dos mais distantes pontos deste pequeno planeta chamado Terra.

Minha vitamina chama-se kilowatt. Quanto mais kilowatts me dão, mais forte eu fico e mais longe eu falo. (…)

Eu falo aos religiosos, aos ateus, às freiras, às prostitutas, aos atletas, aos torcedores, aos presos, aos carcereiros, banqueiros, devedores.

Falo aos estudantes e professores… Seja você quem for, eu chego lá, onde quer que você esteja!

Ao meu espírito resolveram chamar “ondas”.

Eu caminho invisível pelo espaço para oferecer ao povo a palavra, a palavra nossa de cada dia.

Mas estou sempre sujeito a cair em tentação e às vezes não consigo me livrar de todo mal.

Quando eu nasci, meu pai me disse que eu tinha uma missão: ajudar a fazer o mundo melhor, entrelaçando os povos de todas as partes deste planeta.

Meu nome é rádio.

Eu não envelheço, me atualizo.

Materialmente eu sou aperfeiçoado a cada dia que passa. As grandes válvulas do meu cérebro foram substituídas por minúsculos componentes eletrônicos.

Os satélites de comunicação, gigantescos engenhos girando na órbita deste planeta, permitem hoje que eu seja mais universal,

mais dinâmico e menos complicado, como meu pai Marconi queria que eu fosse. (…)

Tenho noção, mas eu já perdi a conta, do número de pessoas que eu ajudei indicando caminho,

devolvendo a esperança, anulando a tristeza, conseguindo remédios, sangue, documento perdido, divulgando nascimentos e passatempos.

Mas eu não sou tão sério assim como eu posso estar parecendo. Na verdade, um dos meus principais interesses é fazer com que as pessoas vivam mais alegres.

O amigo que todos gostariam de ter: útil nas horas sérias, alegre nas brincadeiras e responsável… sempre!

No esporte estou sempre em cima do lance; nos dois lados da rede das bolinhas de tênis ou de voleibol, e lá vem bola, na área do futebol, jogou na cesta tô lá, nadou, pulou, saltou, pegou, virou, driblou…

Pode ser no pequeno clube da periferia ou nos grandes estádios Olímpicos.

Tenho noção de minha força política.

Entendo minha grande responsabilidade de agente acelerador das modificações sociais.

E morro de medo, que me transformem em um mentiroso alienador.

Sem querer ser vaidoso, eu posso até afirmar que se eu não tivesse nascido, o mundo não seria o mesmo.

Meu nome é rádio.

 

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