Talvez seja a gravidade. Ou a dimensão, em geral, reduzida.  Pode ser o estranhamento de se deslocar sem sair do mesmo lugar. O fato é que quase ninguém se comporta normalmente quando entra em um elevador. Apelamos para as trivialidades da meteorologia ou não ousamos encerrar, no espaço, as conversas iniciadas anteriormente. Durante a viagem rumo a alguns andares acima ou abaixo, brincamos temporariamente de ‘estátua’. Há quem nem sequer arrisque olhar para qualquer lado.

Acredito que seja na telona que este singular não-lugar ganhe uma dimensão de fazer corar as paisagens mais arrebatadoras do mundo. Sob a batuta docemente magistral de François Truffaut, “La Peau Douce” (Um Só Pecado, 1964) foge do banal ao narrar o relacionamento extraconjugal de um escritor de sucesso com uma comissária de bordo.  Em uma cena que estende o tempo real, o casal de amantes, interpretados por Jean Desailly e a bela Françoise Dorléac, se depara com o desejo em um quase austero ascensor.

Nesta crônica sonora, reúno sons e falas deste singular encontro da película de Truffaut somados a gravações de dois deslocamentos meus em elevadores: no edifício em que moro e no SESC Santo Amaro, unidade em que neurônios e ouvidos foram estimulados pelos mestres Deborah Pill, Biancamaria Binazzi e Amadeu Zoe, durante o curso de Laboratório de Rádio Digital.

Reforçando que mesmo a comunicação flui entre idiomas e gêneros, há um trecho do delicioso encontro musical da baiana Rosa Passos e do francês Henri Salvador entoando “Que Reste-t-il de Nos Amours?”, clássico na voz de Charles Trenet, que integrou a trilha de “Baisers Volés” (Beijos Proibidos, 1968) filme também de François Truffaut. A versão de Trenet você pode assistir em: https://www.youtube.com/watch?v=HpcBixrfTFs

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